Você está rolando o feed e encontra um vídeo carismático. Alguém com milhares de seguidores, falando de forma muito confiante sobre como “vencer a ansiedade em 3 passos” ou “curar seu trauma de infância com este mindset“. Parece ótimo, acessível e fácil. Mas é aí que mora o perigo.
Nos últimos dias, o debate sobre os “influenciadores terapeutas” explodiu nas redes. O motivo é uma preocupação crescente: o charlatanismo digital. Estamos vendo uma onda de criadores de conteúdo que, sem nenhuma formação clínica ou credencial, agem como psicólogos ou terapeutas, distribuindo conselhos que podem ser não apenas inúteis, mas perigosos. É fundamental entender por que isso atrai tanto e quais são os riscos reais.
O Apelo: por que confiamos eles?
É fácil entender por que esses influenciadores fazem sucesso. Eles oferecem o que todos procuramos em uma cultura de imediatismo: soluções rápidas.
- Acessibilidade: Eles são gratuitos e estão disponíveis 24/7 na palma da sua mão.
- Linguagem simples: Eles “falam a nossa língua”, sem o jargão técnico que às vezes intimida em um consultório.
- A Promessa da “Fórmula mágica”: Eles vendem a ideia de que um problema complexo, como depressão ou trauma, pode ser resolvido com uma “dica” ou uma “mudança de pensamento”. O problema é que saúde mental não é um “hack”. Não existe atalho para a cura.
A diferença crucial: Dicas de bem-estar vs. aconselhamento profissional
A diferença crucial: Dicas de bem-estar vs. aconselhamento profissional
Aqui está o ponto central que precisamos entender. Existe uma enorme diferença entre promover o bem-estar e tentar praticar a saúde.
- Dicas de bem-estar (wellness): São conselhos genéricos que ajudam a gerenciar o estresse do dia a dia.
- Exemplos: “Beba mais água”, “Tente meditar por 5 minutos”, “Faça uma caminhada”, “Organize sua agenda”.
- Quem pode dar? Qualquer pessoa. São ótimos para inspirar uma rotina mais saudável.
- Aconselhamento profissional (saúde): Envolve diagnosticar transtornos, entender a origem de um sofrimento profundo (como traumas, fobias, transtornos de ansiedade ou depressão) e aplicar técnicas científicas e validadas para um tratamento individualizado.
- Quem pode dar? Apenas profissionais com anos de formação acadêmica, treinamento clínico e um registro ativo em seu conselho profissional (como o CRP – Conselho Regional de Psicologia).
Um influenciador pode te inspirar a “cuidar do seu jardim” (bem-estar). Um terapeuta é o profissional treinado para “operar o seu cérebro” (saúde). Você não entregaria seu cérebro a um jardineiro.
Os riscos de seguir “Dicas” para problemas clínicos
Quando um leigo dá conselhos sobre saúde mental, ele não tem noção das consequências.
- Generalização perigosa: A “dica” que funcionou para o influenciador pode ser péssima para você. Dizer a alguém com depressão clínica para “apenas pensar positivo” é como dizer a um diabético para “apenas desejar que seu açúcar no sangue baixe”. É ineficaz e cruel.
- Atraso no tratamento: Esse é o risco mais grave. A pessoa passa meses ou anos tentando as “fórmulas mágicas” do Instagram. Quando elas inevitavelmente falham, ela se sente frustrada, culpada (“Nem isso funciona para mim“) e demora ainda mais para buscar ajuda profissional, permitindo que seu quadro se agrave.
- Agravamento dos sintomas: Conselhos errados podem ser gatilhos. Sugerir que alguém com Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) “confronte seu trauma de frente” sem o preparo e a segurança de um consultório pode causar retraumatização.
Como se proteger: sinais de alerta
- Promessas milagrosas: Desconfie de qualquer um que prometa “cura rápida”, “solução definitiva” ou “fórmulas”.
- Ausência de credenciais: Um profissional de verdade terá orgulho de exibir seu registro (CRP, no caso de psicólogos) na bio do perfil. Se não está lá, pergunte. Se a pessoa desviar do assunto, é um grande sinal vermelho.
- Ataques à ciência: Cuidado com quem desqualifica a terapia tradicional, a psicologia baseada em evidências ou a psiquiatria.
- Baseado apenas em “opinião própria”: “Funcionou para mim” é um testemunho, não uma qualificação profissional.
Conclusão: inspiração não é tratamento
As redes sociais são ótimas para quebrar o estigma sobre saúde mental. Falar abertamente sobre sentimentos é positivo. Mas inspiração é diferente de intervenção.
Não há problema em seguir influenciadores que promovem bem-estar, desde que você saiba o limite. Se você sente que seu sofrimento é persistente, que está atrapalhando sua vida, seu trabalho ou seus relacionamentos, não procure uma “dica”.
Procure um profissional.




